Histórias do Servi­ço de Informações Militares

Francisco Martins Rodrigues

Aqui há uns anos, o comandante Serradas Duarte, chefe dos operacio­nais da Dinfo, teve que se demitir de­pois de ser apanha­do envolvido no re­crutamento de uns pistoleiros para os GAL, o bando terro­rista da polícia espa­nhola (por curiosa coincidência, os ra­pazes contratados para o serviço eram seguranças da embaixada americana). Como é de norma nestes casos, o governo invocou o “segredo de Estado” para abafar a história suja e, mandando para casa o funcionário apanhado com a boca na botija, restituiu à secreta militar a aconselhável pureza.

Inconformado com a “injustiça”, Serradas Duarte ansiava por revelar ao grande público os seus serviços à pátria. Por sorte dele, encontrou na jornalista Paula Serra, da Visão, uma escriba dócil, capaz de passar ao papel a história das suas proezas. E assim nasceu o livro (Dinfo. Histórias secretas do Servi­ço de Informações Militares, Paula Serra. Dom Quixote, Lisboa, 1998) que, em matéria de “histórias secretas”, não tem grande coisa para contar, mas que mesmo assim vale a pena folhear, apesar do enfado e do asco que causam as gabarolices do nosso chefe espião; nunca é demais perscrutar estes recantos sombrios do famoso “Estado de direito democrático”.

Sem surpresa constatamos que as pesquisas da Dinfo nunca se orientaram para o terrorismo fascista, embora houvesse aí largo campo de investigação. Assim, à campanha bombista da extrema direita (mais de três centenas de bombas lançadas du­rante dois anos, cabendo só a Ramiro Moreira, o antigo guarda-costas de Sá Carneiro, a autoria de 57 atentados) dedica Serra­das Duarte apenas 12 páginas, por uma razão óbvia que expõe com desarmante cinismo: “O julgamento da rede bombista acaba­ria por esclarecer muito pouco sobre a actuação e as cumplicida­des de muitas figuras políticas e militares e de elementos das forças policiais…”. A esta inoperância não foi estranha uma gran­de simpatia pelas motivações dos bombistas: “A ameaça da ex­trema direita para a sociedade portuguesa foi muito diminuta quando comparada com o terrorismo da extrema esquerda”, porque o que estava em jogo era “travar a todo o custo o espec­tro comunista e a estalinização de Portugal”. Está aqui resumido todo o programa das polícias após o 25 de Novembro.

Em contrapartida, largas páginas são dedicadas ao “terro­rismo da extrema esquerda”, concretamente ao caso das FP-25, que foram como se sabe uma reacção tardia e inoperante mas justificada ao terrorismo da direita. Aí a Dinfo aplicou-se a fundo, em disputa com a DCCB da Judiciária, para apresentar serviço no desmantelamento da organização. E, quando não tem dados concretos, Serradas Duarte inventa e empola, como na história das ligações internacionais da JAR (Juventude Autónoma Revo­lucionária), em que vem à baila uma tenebrosa cooperativa agrícola situada nas proximidades de rampas de mísseis no sul de França…

Vêm a seguir as histórias da espionagem soviética em Lis­boa, novela hilariante em que, no meio de escutas, perseguições automóveis, encontros clandestinos, almoços em restaurantes de luxo e sinais secretos em viadutos, nada de palpável se apura. Eficiente foi a Dinfo no apoio à Unita e à Renamo, de que Serra­das Duarte se gaba sem acanhamento (mas, atenção, só porque sente uma “grande afectividade em relação a África”). Não há dúvida de que a herança da PIDE não se perdeu pelo caminho… De resto, para o nosso espião “democrata”, o grande defeito da PIDE foi nunca ter sido capaz de criar um serviço de informa­ções capaz de infiltrar os movimentos de libertação.

Oficial de fuzileiros durante a guerra colonial na Guiné, ex­pulso de Cabo Verde em 75 por conspirar contra o processo de independência, anticomunista visceral, Serradas Duarte estava naturalmente fadado para uma carreira promissora na nova polí­cia política da democracia. O seu amadorismo no caso dos GAL custou-lhe caro. Mas não há que desanimar. Pode ser que o regi­me ainda lhe descubra novas missões patrióticas.

Política Operária nº 69, Mar-Abr 1999

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